segunda-feira, agosto 18, 2003

a formiga de langton

Sociedade e Organizações, e de alguma Igreja enquanto Organização

Relativamente a alguma da emergência "Bottom-Up" presente nas sociedades, e a outra não emergente e "Top-Down" que com esta se interliga (uma espécie de variável exógena ao sistema, que a pouco e pouco se constítui como parte do sistema), e a que me referi no post anterior ("Nova-Iorque fora de horas"), dei entre-outros o exemplo de "Swarming People", calcorreando as ruas de Manhantan, devido ao "blackout" (dei também entretanto pistas, não sei sinceramente ainda se completamente correctas, quanto ao devir deste último). O fenómeno ocorre um pouco por todo o lado na nossa sociedade, a mais ou a menos dos dois carácteres acima descritos ("Bottom-Up", "Top-Down"), não sendo apenas manifestos reduzíveis à forma de como se movimentam pessoas pela rua, pese embora, seja aqui mais claro, analisá-los quiçá pela sua facilidade de visualização (pense-se por exemplo -aqui, exemplo negativo devido às suas consequências- na forma como em pânico uma massa enorme de pessoas deixam um Estádio de Futebol, acabando por produzir não raras vezes uma enorme tragédia). Ora hoje (Domingo), José Pacheco Pereira (JPP), pelo Abrupto, descreve de modo muito pertinente uma procissão (post com o título "Uma Procissão Popular"; talvez não acreditem, mas à medida que escrevo as primeiras linhas destas palavras estou aliás (!) a ouvir a banda de uma, aqui em Marmelar, Alentejo profundo, para os outros quiçá "Alfacinhas", e também profundo, noutro sentido, para mim mesmo), lançando questões que me parecem importantes. Como: [...] A Igreja como comunidade? A colectividade como hierarquia? [...]. Talvez este post de JPP possa passar despercebido à maioria dos PT-Bloggers, ou dos leitores, que o irão ler talvez como uma simples descrição de verão, mas pessoalmente parecem-me observações não só cruciais como oportunas. Já pelo fim, por exemplo, JPP descreve uma [...] força interior invisível [...], que não é de todo menosprezável. Já Shaw pelo século 17, descrevia uma frase anónima que rezava assim: [...] ...e os milhares de peixes moveram-se como uma enorme besta, revolvendo a água em seu redor. Aparentemente unidos, e inexorávelmente conectados a um destino comum. De onde surge esta unidade? [...]. O que é interessante nesta frase, é que parece que aponta logo uma dúvida que nos tem e continua a assolar a todos. A unidade surge. Emerge (leiam-se as 2 afirmações de trás igualmente como interrogações). Parece que vinda de baixo, provinda das relações locais, neste caso entre peixes de um mesmo cardume. Estas questões, e a própria procissão como acto social, não só estão relacionadas com a "Nova Iorque fora de horas" que aqui imediatamente antes descrevi, como à de outras que lançei num dos posts iniciais (o terceiro) da "formiga de langton", sob o titulo "As hierarquias da dinâmica ou a dinâmica das hierarquias" e a propósito de um "Call for Papers" recente, no "Artificial Life Journal - MIT Press". Em termos simples, se foi o "blackout" o disparar de uma emergência e comportamento de grupo em plenas ruas de Nova Iorque, quem é o "blackout" de um acto social como o de uma procissão ?! Será o pastor do rebanho? (o de hoje, facto que me parece por si só relevante ao tema, tinha um megafone pelas mãos!, ao passar pela minha janela). A existir um disparo inicial em todo o sistema (social ou artificial, mecânico) quem o disparou? Mais, no âmbito generalizado da sociedade, a própria hierarquia das organizações será emergente? Será ela o produto "irremediável" de um subir de vários patamares de complexidade? Ou ainda, será ela consequência de uma nossa exigência cerebral, ou porventura de uma eventual "delegação de poderes" (que falava antes), ao desejarmos assegurar o "controle" (leia-se sobretudo, compreensão) sob algo que nos parece escapar? (sendo que para tal temos preponderância para classificar, para agrupar, para hierarquizar, como se o todo fosse reduzível à construção de uma, ou várias simples mnemónicas).
Sobre esta mesma redução, falei em contraponto noutros posts do "mapa-mundo" de J.L.Borges, mas como nota suplementar, o "Call" do "Artificial Life Journal" pretende ir mais longe, ir ao próprio "mapa" de qualquer organísmo enquanto agregado celular e complexo (hierarquizável ou hierarquizado? ou nenhum dos dois?). A vida, a própria vida, é sobretudo dinâmica, é sobretudo das relações que trata, entre diferentes partes celulares. Como em tempos escrevi, não necessáriamente acerca deste tema das organizações, mas de temas que lhes estão conexos, a vida é não-linear. Ora, os sistemas lineares obedecem ao principio da sobreposição. Podemos "partir" sistemas lineares em partes simples constituintes, e analisar as partes independentemente. Uma vez chegados ao entendimento das partes em isolação, podemos atingir uma idéia de compreensão do todo, pela composição dos nossos entendimentos das partes isoladas. O que é chave nos sistemas lineares (ao estudar as partes podemos entender o todo), não é contudo verdadeiro para os sistemas não-lineares. A natureza contudo, é geralmente não-linear, tal como a vida, onde este tipo de abordagem é raras vezes impossível, se não de todo impossível. Os sistemas não-lineares não obedecem ao princípio da sobreposição. Mesmo que pudessemos "partir" todo o sistema em partes, e mesmo que pudessemos atingir a totalidade da compreensão de todas estas partes, não saberiamos nunca compôr os nossos entendimentos individuais das partes, numa compreensão do todo (ver post "Quem monta o Lego?"). Por manifesta relação, aqui segue um excerto desse mesmo post: [...] Have you haver seen a child take apart a favorite toy? Did you then see the little one cry after realizing he could not pull all the pieces back together again? Well, here is a secret that never makes the headlines: We have taken apart the universe and have no idea how to put it back together [...]. Ao "mexermos",ao dar-mos um pequeno toque, por exemplo, numa das variáveis que compoêm o sistema não-linear, este pode assumir comportamentos imprevisíveis, ao contrário dos lineares, como aquele que obtemos pela via da utilização do acelerador do nosso automóvel, sob o efeito do nosso pé. A palavra-chave da vida no entanto, a palavra-chave dos sistemas não-lineares é a de que os comportamentos "primários" de interesse são propriedades das interacções entre as partes, ao invés de serem propriedades das partes por si só, e estas propriedades baseadas na interacção necessáriamente desparecem ao nosso olhar, quando as partes são estudadas de modo independente. A caminho da sua compreensão, não é a sua análise, por isso, que se deve realizar, mas sim a sua síntese. É da relação entre partes, que nos devemos questionar. Sobre que relações de baixo nível em complexidade, produzem um comportamento global, ao maís alto nivel de complexidade, aquele que observamos, mas que jamais conseguiremos destrinçar por isolação, pelo caminho reducionista descendente. O carácter do todo final evoluindo temporalmente, e a própria constituição de uma inovação pelo todo, a existir, são aspectos cruciais. Aliás, o modo como as partes disparam decisões em função da intensidade de estímulos locais, bem como a existência ou não de diversídade nas funções de resposta implícitas a cada uma das partes, parece ser crucial na emergência de "ordem" e formação de padrões de alto nível em qualquer sistema colectivo.
Existem alguns trabalhos na própria dinâmica das organizações, igualmente conectados à problemática da inovação que me parecem fundamentais. Disponível em livro, de José Manuel da Fonseca (Universidade Lusíada, Universidade Nova de Lisboa) o título "Complexity and Innovation in Organizations" Routledge (UK), 2001. Depois e no próprio âmbito da Igreja como organização, a investigação de Antonieta Costa (Universidade dos Açores), a trabalhar a partir de Angra do Heroismo. Conheço-a por email apenas, devido à troca continua de trabalhos entre ambos (está sendo difícil conhecermo-nos pessoalmente devido às agendas pessoais). Alguns dos seus artigos são pertinentes neste preciso tema, bem como no questionamento dos carácteres, e no do seu peso, a que a que em cima faço evidência ("Bottom-Up","Top-Down"). Antonieta Costa, utilizou a comunidade do Espiríto Santo (Açores) como case-study da sua própria tese de trabalho. Não deixa de ser relevante apontar alguns excertos e respectivas referências, que aqui sob este tema são bastante oportunas, e bem mais cruciais que as minhas:

[...] Power becomes a problem when we understood that it infects all social processes, thoughts and relations among people. The simplest interaction between two people becomes a stage of battle where each participant attempts to establish the "truth" about whatever reality is being discussed."Power", considered as authority, to affect the process of symbolic reality construction, is attributed by the group to certain people,who thus become legitimized in this function. Depending on the type and development of the society, scientists, priests, shamans or legislators, etc., are considered the official producers, or constructors, of reality.
In spite of this conventional understanding, a constant commotion is caused by those left behind, resulting in private fights (most of the time hidden by the apparent calm of the surface) for the control of a part of the residual power and/or recognition.
In both cases however, the establishment of the "truth" is always dependent on a super-entity who gives the last word, an authority who reinforces the moral rightness, a hierarchical system to whom common man can resort to, in order to "learn" how the order of the things is established, how things must be done, how everybody should behave. A society functioning under principles different from these is unthinkable. The establishment of law and order in a society is thought to be inseparable from these figures of authority. Any social systembased on different logics is doomed to fail. The idea of having a society based on total equality among the members for these functions of the establishment of the "truth" is thus thought of as a foolish and impossible project, without any possibility of survival, although often wished for as a distant utopia.
Considering this link between the philosophical and the epistemological fields as our focus of concentration, we can say that the thematic of power has become a stationary one since the beginning of historical times, in the process of reality interpretation and construction. The access to the truth has always been perceived as coming from either a "gift", a "divine concession", an "enlightenment", or any other special means conferred by divine entities to the special care of these figures of authority. Never, in any case, and within any group, does it become the possession of common man, or seen as an ordinary function of ordinary people.
To question the accepted social thought on this matter, I present information on an organization (or group of religious brotherhoods) that operates by different principles, mainly symetrical interactions among the members. All definitions of the internal (organizational) reality, starting from the representation of the divinity, His perceived behaviors, values and expectations about human acting, the performance of the cult, as well as other functions and situations, are produced and established by the common man in his role of simple member of the brotherhood. This means that anyone wanting to do so can enter the organization, become a member, and, in performing within the cult as an "Imperador" (or the person in charge of the cult during a week) introduce any innovation that he or she sees as positive for a better functioning of the community.
Considering that this is a situation avoided by societies that fear loss of control over the interpretations of reality and thus over the meaning and values attributed to them, a simple curiosity about the uniqueness of this case lead me study it (in a doctorate program, at ISCTE, Lisbon, 1998) with the goal presenting its existence to the scientific community. [...]

Excerto que faz parte da introdução ao artigo "Con-testing Utopia", publicado na World Cultures, 13(1), 2002. Já em outro trabalho ("The Obsolescence of the Power Paradigm Within the Brotherhoods of The Holy Spirit"), destaco finalmente os seguintes excertos:

[...] "Power", considered as authority, on the process of symbolic reality construction, is attributed by the group to certain people, who thus become legitimized in this function. Scientists, Priests, Shamans, the Law System, etc., depending on the type and development of the society, are considered the official producers, or constructors, of reality. [...]

[...] Considering this link between the philosophical and the epistemological fields as our focus of concentration, we can say that the thematic of power has become a stationary one since the beginning of historical times, in the process of reality interpretation and construction. The access to the truth has always been perceived as coming from either a "gift", a "divine concession", an "enlightenment", or any other special means conferred by divine entities to the special care of these figures of authority. Never, in any case, and within any group, does it become the possession of common man, or seen as an ordinary function. [...]

[...] The work of Claude Faucheux and Serge Moscovici (1967) was one of the few exceptions. Not only because of that, but also by the excellency of its quality, they were chosen as principal theorists of the study. Their work produced a theory which went against the established explanations of symbolic reality, based on a perspective of the influence that minorities exert over social thought in the process of reality construction. They proved that this process suffers influences not only "from the top down", or from the authorities on the matter (especially the scientific ones), but also "from the bottom up", or from the common man. Although unknown, this last source of influence proved to be so strong that in most cases it is the only one fighting against organizational stagnation, and forcing change or imposing a new order. [...]

[...] One of the most interesting speculations being the link drawn by Ilya Prigogine (1985) between physics and sociology, which suggested the possibility of man being one more of the examples of autonomous organization found every where in the universe, from a star to a mosquito, in a ever complex state. Nonetheless, the weight that tradition inflicts upon the thinking process was too strong to be vanished just by theory. This must be the reason why the conventional image of authority kept its preeminence in social process. This was probably helped by the fallacy of the comparisons between animal and human societies, which help to perpetuate this way of thinking in spite of the knowledge that human societies are based on the construction of a symbolic reality in the production of which all members of the group should participate in order to have some sense, due to the conceptual nature of this production. Seen through this perspective, we find an explanation for minority influence found by Moscovici in his studies. [...]

p.s.1 - Notas da PT-BlogoFractaLândia: Agradeço ao Azul Cobalto, habitante de florestas. Agradeço ao mac.against.org pelas curtas palavras. Ao contrário de que outros dizem, o que descreve tecnicamente (e não só) também é importante, pelo menos para mim o é. O Upgrade é outro bom exemplo. Uma palavra especial ao Ciência na blogoesfera Portuguesa, um trabalho que sabemos ser difícil, realizado por uma só pessoa (força, caro Coelho), e que entra agora em formato curto, mas que não deixa de ser relevante. O Teste de Turing (blog muito recente que aqui falei faz dois posts, e que começou em grande força) tem que lá estar naturalmente (Caro "Teste de Turing", envie um email ao mailto:ciencianablogosfera@yahoo.com.br, ele próprio faz-lhe esse apelo). Agradeçimentos também ao Cibertulia e ao Posto-de-Escuta, que vai apanhando tudo. Agradeço ainda a manifestação de apoio do blog "E Deus Tornou-se Visivel". Saudações ao Lâmpada Mágica, apesar de nunca ter publicado a "pico-entrevista" (uma iniciativa a saudar!) que me fez por email, entre outras referências. Por fim e mais recentemente, a Francisco José Viegas, pelo seu Aviz. Adorei esse mainada, bem como o titulo do post, que numa só palavra descreve tudo o resto pelo qual me forçaram a passar. Aliás, foi excelente descobrir por si, o "primeiro" post mais notável, pelas boas razões, de toda a PT-BlogoFractaLândia, que veio do Aquele Outro. Este tema preciso, "o primeiro post", para mim tornou-se uma paixão-obsessão, um hábito adquirido, a cada blog, a cada visita, a cada leitura, e é por si revelador quanto baste da natureza de cada um dos blogs. Deviam-se realizar prémios (quiçá de humildade, quiça da falta dela) um pouco por toda a blogolândia Portuguesa, e para o tema. Contudo, é claro que a pertinência científica se perde, se todos os primeiros bloguistas, lerem estas linhas antes de o serem. Ou ainda que sendo já velhinhos, retirem esses conteúdos, ou os alterem como por aqui na nossa blog-comunidade já vi também acontecer. Caramba, aonde se chega. Esqueçem-se que o Google tem "cache" (!), para não falar de outros motores e outros métodos de pesquisa. Já agora, e por aqui antes ter falado nele, o Teste de Turing também teve um primeiro post notável, como referi faz 3 dias. Com uma qualidade que pessoalmente destaco, foi directamente ao assunto. Mainada !

p.s.2 - Viram a RTP2 no passado Sábado, à hora de jantar?! Se não viram, deviam ter visto. A Ana Sousa Dias (programa que faço por não perder, embora perca às vezes) está de parabéns. A RTP2 está (continua) de parabêns. O convidado está de parabéns. Já por aqui falei nele a propósito de um livro. Trata-se de José Fernando Mendes que desenvolve um trabalho impressionante. O programa foi notável. Aliás, adorei entre-outras a questão relativa aos bébes, que aqui cito em cima relativo a outros posts. Com momentos assim pela nossa TV escuso de mudar para os canais Internacionais. Este programa é uma lição, este convidado um exemplo a seguir.
posted by AntColony @ 5:57 AM